Observatório Alviverde

16/03/2011

UBERABA X PALMEIRAS, O JOGO É HOJE!

 

Só não posso dizer que é um jogo inusitado, porque o Palmeiras, em todo o decorrer de nossa história jogou três vezes contra o Uberaba, no tempo da bola de capotão uma vez e duas vezes na década de 50..

O futebol bombou em Uberaba até os anos 60, e três times disputavam a condição de líder na cidade: O Uberaba, o Nacional e o Independente.

Era um tempo de intensa rivalidade entre essas equipes que tinham boas estruturas para a época, mas o Uberaba, sem qualquer dúvida, sempre foi o maior.

Não me lembro mais do estádio do Independente, mas lembro-me, perfeitamente, do estádio do Nacional e do velho estádio Boulanger Pucci, do Uberaba EC que abrigava o time de maior torcida e nosso adversário desta noite.

Esse estádio tinha uma peculiaridade. Ficava próximo à torre da Rádio Sociedade do Triangulo Mineiro e realizar uma transmissão naqueles estádio não era trabalho para qualquer técnico de som incipiente ou inexperiente..

Aprendi com Nelson Antonio Gonçalves, o NAG, grande líder, narrador e comandante de equipes esportivas em Ribeirão, Rio Preto e outras cidades, o maior malandro da história do rádio brasileiro em todos os tempos, que a única forma de não se sofrer interferência da emissora de Uberaba seria aterrar a linha.

Aterrar a linha era um procedimento extremamente simples, mas um segredo que pouquíssimos conheciam.

Nag era uma águia, vivo, inteligentíssimo, de uma velocidade de raciocínio impressionante, um locutor de belíssima voz, narração rápida, precisa, em cima do lance, com muita vibração. Em resumo, um homem que se situou, sempre, muitas décadas à frente de seu tempo.

Paralelamente, era uma máquina de vender publicidade e as rádios em que trabalhava, (trabalhou em dezenas), cobriam todos os eventos dos clubes locais, mesmo que não houvesse linhas disponíveis. Ele fazia mágicas e, de uma forma ou de outra, tirava um coelho da cartola e a transmissão sempre saia.

Na década de 50 o América de Rio Preto realizou uma excursão pelo norte do Paraná, um lugar ainda sem a pujança de hoje, mas já marcado pelo progresso e pelo desenvolvimento. Tanto é verdade que o campeonato mais importante e de mais público do estado do Paraná era o do norte, comandado por Londrina, Maringá e outras cidades da região;

Naquele tempo, as companhias telefônicas por lá eram minúsculas, quase todas de alcance exclusivamente regional, particulares.  Uma ligação de cidades dessa região para Rio Preto eram quase impossível. Quando completadas, era com esperas que alcançavam quase um dia e, às vezes, vários dias. Ainda assim,  chegavam em condições precaríssimas. Só quem viveu essa época sabe e têm idéia do que estou falando..

Mas Nag roncou grosso e garantiu que transmitiria a excursão, mesmo sem a existência das linhas telefônicas, através de um plano engenhoso, cuidadosamente calculado sobre a potência das rádios que possuiam ondas curtas (tropicais). Era muito comum as emissoras cederem ou alugarem as suas ondas diferentes da faixa de onda-média para a transmissão de jogos em locais onde não havia linhas disponíveis.

Algumas semanas antes da viagem, ele se debruçou sobre mapas, portando um compasso, uma régua e a relação das emissoras que possuiam ondas tropicais. Nenhuma emissora do norte do Paraná tinha suficiente alcance para ser captada em Rio Preto.

O ideal seriam as ondas-curtas, que levavam o sinal mais longe  e com muito mais clareza, nas faixas de 40, 31 e até 25 ou 19 metros,mas ter ondas curtas era privilégio das emissoras das capitais.

Ao que me consta, entre as rádios do interior de São Paulo, apenas a Rádio Clube, a famosa PRA7 de Ribeirão Preto tinha, à época,  uma onda curta legítima de 19 metros, que não falava para pequena e média distâncias, mas só para muito longe e era captada e ouvida apenas no norte e nordeste do Brasil e em alguns países..

Era muito comum, repito, pela própria falta de estrutura da comunicação brasileira, esse procedimento da utiização de ondas-curtas e tropicais para que qualquer emissora pudesse transmitir jogos em locais onde não havia disponibilidade de linhas.

O plano de Nag para irradiar os jogos do América no norte paranaense era inédito, revolucionário. Com o compasso sobre o mapa ele circulava o alcance das três emissoras da faixa tropical que levariam o sinal a Rio Preto, em uma engenharia elaborada mais ou menos assim;

Uma rádio de Londrina transmitiria para uma rádio de Presidente Prudente que retransmitiria o sinal para uma rádio de Araçatuba ou Bauru, completando a ponte. 

Assim, o som, ainda que sem tanta qualidade chegaria a São José do Rio Preto, na central técnica da Rádio Indepenência, então a melhor rádio do interior do Brasil.

Como não havia uma maneira de o locutor comunicar-se com a emissora, Nag fez os jogos no escuro, o que os locutores chamavam de “vôo cego”.

Finda a excursão, voltou, então, a Rio Preto, o time do América, dirigido pelo meu grande amigo, o saudoso João Avelino, também conhecido como 71.

Dois dias depois, volta Nag, com ares de gênio e com o entusiasmo contagiante de sua magnética personalidade, adentrando-se pela portaria da rádio.

Não falou com ninguém, Foi direto para a sala do diretor artístico, o extraordinário Alexandre Macedo, (aínda vivo, graças a Deus, de aparência jovial e gozando de ótima saúde no alto de seus 80 anos) e perguntou:

“- Chefe, como chegaram as transmissões”.

Com fleugma brtânica e com a educação que sempre o caracterizou, Alexandre respondeu na “lata”.

“- Transmissões, Nelson, mas que transmissões”?

A ponte de emisoras não funcionara e Nelson não conseguiu mandar a Rio Preto uma única palavra em suas “transmissões”.

Quando eu, Nelson e o saudoso comentarista de Batatais, o Magalha, (que voz, que português, que inteligência que a bebida nos roubou) íamos a Uberaba, era de lei uma passagem pela casa do mais famoso e importante narrador de Uberaba na época, Luiz Gonzaga, ainda conosco.

O repórter dele, sabem quem era?

Ninguém mais do que Fernando Vanucci, que atendia pelo diminutivo de Fernandinho, jovem, imberbe, simpático, iniciando a sua brilhante trajetória na profissão, ele, que marcou época na Rede Globo e hoje presta serviços à Rede de TV.

Tudo isso que escrevo é em tom de saudade, retratando uma época em que tudo era diferente e o futebol uberabense era pujante chegando a ter dois representantes em campeonatos mineiros da primeira divisão em sua melhor era, a do Mineirão.

Lembro-me que, em Uberaba, nos hospedávamos sempre no Hotel Regina e um passeio noturno pela “zona” também era obrigatório. A cidade tinha, naquela época, casas de meretrício de alto luxo, com mulheres lindíssimas, maravilhosas, que se vestiam luxuosamente.

Chico Xavier estava chegando, mas, naquela época, quem queria saber desse tal Chico que ninguém sabia nem quem era e o que fazia.

Neném Mamá era o homem forte do Uberaba. Não sei se ele chegou a ser presidente do clube, mas, à época, como diretor de futebol, distribuia as cartas e jogava de mão, como se diz na gíria, tal era a sua importância no contexto do Uberaba Esporte Clube.

Isso tudo foi dito para caracterizar uma época romântica do futebol e da comunicação, em que as dificuldades materiais e profissionais existentes eram compensadas por uma vida mais gregária, mais qualitativa, em um tempo em que, parafraseando Ataulfo Alves, no mais belo verso da música popular brasileira, ‘eu era feliz e não sabia!’

Serve para mostrar que o time que enfrentamos hoje, o Zebu, tem lastro e tradição. É bom que os jogadores do Palmeiras saibam que não estarão enfrentando um timinho qualquer do interior sem história e tradição.

A decadência do Uberaba tem as mesmas raizes da decadência de seu maior rival regional, o Uberlândia. Ambos perderam força e prestígio com o esvaziamento dos regionais (debite-se a Juca e seus amestrados) e com a construção de grandes estádios. O Parque do Sabia liquidou com o Uberlândia e o Uberabão com o Uberaba, quase que nas mesmas proporções.

Com a edificação do Uberabão, o Uberaba perdeu, completamente, o poder de pressionar os adversários através de sua vibrante torcida.

Vencer, hoje, não é, apenas, uma palavra de órdem para o time do Palmeiras. Mais do que isso, uma obrigação!

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